domingo, 14 de dezembro de 2014






No âmbito do Programa Científico que integra a Exposição AUTÓMATO VIVO, A VIDA UM ARTEFACTO NATURAL?, realizar-se-á na próxima Quinta-feira, 18 de Dezembro, pelas 15 horas, na Sala Vandelli,  [no edifício anexo na Rua das Palmeiras] uma conferência subordinada ao tema: «Um olhar sobre o corpo e a natureza: o popular e o erudito na literatura médica portuguesa do século XVIII».

A comunicação será proferida por Bruno Barreiros (CHAM/FCSH). 





Nota Curricular: Doutorado em História, Filosofia e Património da Ciência e daTecnologia (FCT/UNL, 2014), tem publicado nas áreas da história do corpo e da saúde pública. Traduziu, em colaboração, o Tratado Médico-Filosófico sobre a Alienação Mental de Philippe Pinel (2011). 

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Lançamento da obra História da Medicina em Portugal

O lançamento da obra de Manuel Valente Alves "História da Medicina em Portugal" decorrerá no dia 10 de Dezembro pelas 18.00 horas na sala 1 da Fundação Calouste Gulbenkian.
A apresentação estará a cargo do Prof. Adelino Cardoso.
Convidam-se todos os interessados.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014





segunda-feira, 27 de outubro de 2014

COLÓQUIO INTERNACIONAL/NATUREZA, MEDICINA E SENSIBILIDADE MODERNA


Filipe Montalto e a sua Archipathologia: um esculápio de geração

Realizar-se-á na próxima quinta-feira, pelas 18.30, na Sociedade de Geografia, em Lisboa, uma conferência dedicada ao tema: Filipe Montalto e a sua Archipathologia: um esculápio de geração. Os trabalhos serão conduzidos por Joana Mestre Costa. 

A Entrada é livre. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

segunda-feira, 22 de setembro de 2014



Sobre uma emissão desconhecida
da Archipathologia (1614) de Eliahu[1]/Felipe Montalto


Archipathologia, 1614, exemplar da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

 
 
A bibliografia montaltiana tem algumas lacunas e erros pelo facto de não existir um trabalho completo neste campo. O ensaio mais abrangente, que se deve a Harry Friedenwald, remonta a 1935[2]. Quanto às edições do tratado aqui em questão, na sua bibliografia menciona o seguinte : Archipathologia, Paris, 1614, Saint-Gervais 1618 ou 1628, in-4º ; e dá o Tractatus de morbis capitis, Sancti Gervasii, 1628, como sendo provavelmente uma reedição do anterior. Portanto, à data de 1628 aparecem dois possíveis títulos, num total de três a quatro edições do mesmo texto. Para acabar com esta incerteza, podemos afirmar que a edição de 1628 foi única sob um título efetivamente um pouco diferente do original (ver abaixo a lista das edições de Montalto, no 3 ; doravante abreviado em « lista »).
Esta situação tem várias causas. Uma delas é a pobreza da historiografia portuguesa[3]. A começar por Barbosa Machado[4] que refere duas edições (1614 e 1628) e atribui ao nosso autor o De Homine sano (1591) do Italiano Girolamo Montalto[5]. Esta confusão perdurou no séc. XX[6].
O que motiva o presente apontamento é 1. informar da existência de uma segund impressão desconhecida do texto em 1614, a que se deve juntar uma precisão bibliográfica sobre a Lettre d’Espagne (lista, nos 1 A e B) ; 2. dar pistas de reflexão sobre os azares bibliográficos do autor.

1. Até agora pensou-se que não havia exemplares da Archipathologia em Portugal[7]. No entanto, houve em 1614 uma outra impressão cujo único exemplar até agora localizado pertence à Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (lista, n º 2 B)[8]. Está registado no Catálogo das obras dos séculos XV-XVI-XVII (Porto, 1951, p. 156) em nome de « Montalvo (Filipe) - Filoteu Elias Montalto ». As duas formas, Montalvo e Montalto, seguem Barbosa Machado, sendo a primeira provavelmente um erro tipográfico. Na lombada da encadernação em pergaminho (séc. XVII) tem colado um compartimento com letras douradas : MONTALTI ARCHIPATHOLOGIA » (séc. XIX ?).
Este exemplar é uma impressão da Archipathologia. Em nada difere da outra[9] senão, na página de título, o endereço bibliográfico com uma vinheta própria[10]. Outra diferença notável é o fato de não ter privilégio, ao contrário da emissão de Jacquin.
Sendo único, importa analisar as marcas de intervenção não tipográficas. Segundo o selo de posse da Escola Medico-Cirúrgica do Porto, o exemplar estava nesta cidade pelo menos no séc. XIX (entre 1836 e 1911)[11]. Também se lê uma inscrição manuscrita, talvez de uma mão do séc. XVII, na página de rosto : « num. 92 », que pode ser uma cota de biblioteca particular. Um signo mais curioso é a adição, com tinta preta, de um I no fim da data impressa (MDCXIIII) posteriormente rasurado. Portanto, alguém achou necessário datá-lo do ano 1615, a não ser que lesse erradamente XIII, e depois a mesma pessoa ou outra decidiu corrigir. O resto do exemplar não apresenta sinais de leituras (marginalia, sublinhados).
Passemos a análise das informações dadas pelas duas emissões do tratado e pelas também duas emissões da Lettre d’Espagne.
A emissão em nome de François Jacquin (lista, nº 2 A), tida até agora como a única, teve privilégio, cujo texto se desconhece, e foi feita a custos da sociedade Caldoriana (Caldoriana Societas). Inicialmente baseada em Genebra, em 1606-1607, depois em Coligny, nos arredores desta cidade, esta sociedade dedicada à edição foi fundada pelo humanista Pyrame de Candolle (1566-1626). Foi esta que pagou a reedição genebrina da Optica de Montalto, um ano antes da Archipathologia vir à luz. Também sabemos que a reedição de 1628 será feita em Genebra (« Saint-Gervais »). Estes pontos tendem para reforçar a hipótese de relações nos primeiros anos de 1610 e até de contrato(s), ainda desconhecidos, entre o autor, os editores e a sociedade presidida por Candolle. Porém, imprimir em Paris, mais do que em Genebra, parecia óbvio uma vez que Montalto era médico da rainha de França. Daí, também, a importância da dupla emissão da Lettre d’Espagne uma das quais com privilégio (lista, nº 1 A). Relembremos que o texto em latim encontra-se no início da obra em ambas as emissões da Archipathologia. Assim, todas as versões e emissões saíram no mesmo ano de 1614. Estes factos prefiguram uma orchestração refletindo uma estratégia editorial forte da parte de todos os interessados.
Para concluir, diremos que, na ausência de mais documentos sobre a história editorial deste grupo de edições/emissões, não é possível elaborar uma cronologia certa. No entanto, quanto à Archipathologia, dada a grande diferença entre os números de exemplares ainda existentes das duas emissões, é provável que a de Pierre Gueffier tenha sido feita em seguida a um acordo entre as partes para uma tiragem limitada e sem privilégio[12]. O mesmo pode dizer-se da Lettre d’Espagne.

2. Elijah/Felipe Montalto pode ser considerado o médico português menos conhecido no seu país de origem. Mas este destino não é próprio da historiografia moderna e contemporânea. A bibliografia médica da época pré-moderna conta com o De scriptis medicis libri duo de Van der Linden (Amsterdão, Johannes Blaeu, 1637). De Montalto, só menciona a Optica. Se em Portugal houve um autor cujas informações sobre autores foram lidas, é o Zacuto Lusitano. Várias edições das suas obras contêm listas dos médicos que marcaram a história e que ele cita. Acontece que Zacuto tirou parte das suas informações en Van der Linden. Interessando-se pela lista dos médicos portugueses (Lusitani), Ian Maclean admira-se que Zacuto não tenha incluido Montalto entre eles[13] enquanto Van der Liden menciona « A Optica de Philippus Montaltus, Lusitanus » (« Philippi Montalti, Lusitani, Optica »). Mas o historiador inglês fica-se por aí.
Van der Linden e Zacuto não catalogam autores e obras segundo a mesma perspetiva. O primeiro reproduz simplesmente a identidade do autor conforme o título da obra na primeira edição (Philippi Montalto Lusitani Medicinae Doctoris Optica intra Philosophiae et Medicinae aream [...], 1606) ; o segundo identifica os autores de ascendência portuguesa, independentemente da presença ou não do termo. O que não deixa de ser estranho é o facto de excluir, ou de não incluir, Montalto na lista dos Lusitanos e, pormenor que ficou despercebido de Maclean, de o incluir na lista dos quinze « corifeos Hebreos » (« Hebraeorum coryphaei »), ao lado de Moisés, Flávio Josefo e Leão Hebreu. Portanto, aqui fica a questão : Felipe/Elijah Montalto, um autor mais religioso do que médico, ou o inverso ?
Ele próprio parece ter escolhido uma mudança na sua persona. Facto que já foi assinalado, modifica o seu nome de autor entre a primeira e a segunda edição da Optica[14]. Mas a sua obra impressa não deixa de tratar de medicina, Zacuto sabe-o uma vez que faz algumas referencias específicas ao tratado de 1614. Esta identificação judaica, corolária da exclusão do grupo dos Lusitanos, feita por Zacuto com certeza teve alguma influencia no destino da obra de Montalto em Portugal. Mas ainda não se pode dizer muito mais neste sentido, faltam ainda estudos sobre uma receção que deve ser encarada com as duplas orientações da ciência e da religião, do homem e a sua persona e da obra. No entanto, um outro bibliografo de peso, von Haller, abre a entrada Montalto com esses termos : « Philotheus Aelianus, ou melhor, rabino Elias de Montalto » (« Philotheus Aelianus, aut melius Rabbi Elias de Montalto[15] »). Portanto, a reputação do Português está bem assente desde há um século e meio : ou Felipe ou Eliahu.



Lista das edições
Archipathologia e Lettre d’Espagne, 1614-1632

1 A-Lettre d’Espagne presentee a la Royne Regente. Par le sieur Philotee Elian de Mont Alto, A Paris, Chez Jean Brunet, ruë saint Jacques, à la Hotte. MDCXIIII, Avec Privilège du Roy, in-8º, 12 p. (= tradução da Epistola na Archipathologia ; apresenta algumas variantes menores)

  B-Lettre d’Espagne, presentee a la Royne Regente. Par le sieur Philotee Elian de Mont Alto Espagnol, A Paris, Chez Pierre Chevalier [II ?[16]], ruë S. Jacques, à l’image saint Pierre, pres les Mathurins, MDCXIV, Avec permission, in-8º, 12 p.

2 A-Philothei Eliani Montalto Lusitani (...) Archipathologia. In qua internarum capitis affectionum essentia, causae signa, praesagia, et curatio accuratissima indagine edisseruntur, Lutetiae : Apud Franciscum Jacquin, Sumptibus Caldorianae Societatis[17], MDCXIIII, Avec Privilege du Roy, in-4°

  B-Apud Petrum Gueffier via D. Joannis Lateranensis, sub signo Aldus, MDCXIIII, in-4°, (exemplar da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, cota  : Res. XVII 215)

3 Tract[atus] accuratiss[imus] de morbis capitis, novis et exquisitis remediorum generibus locupletatus..., S. Gervasii : J. de La Pierre, 1628, in-4° (= reimpressão da Archipathologia)

4 Philothei Eliani Montalto Lusitani [...] Archipathologia. In qua internarum capitis affecionum essentia, causae, signa, praesagia, & curatio accuratissima indagine edisseruntur, Parisiis : apud Samuelem Celerium, 1632 (exemplar na Biblioteca Real de Bélgica, cota VB 4.568 A (RP)



[1] Ortografia de Miriam Bodian, Hebrews of the Portuguese Nation. Conversos and Community in Early Modern Amsterdam, Indianapolis : Indiana University Press, 1997. Outras formas : Elijah, Elias. Em latim, veja-se mais adiante.
[2] « Montalto. A Jewish Physician at the Court of Marie de Medicis and Louis XIII », Bulletin of the Institute of the History of Medicine, 3 (1935), p. 148-157.
[3] Assinalada por Augusto d’Esaguy, ciente de que era preciso reabilitar Montalto (“Commentaires à la vie et l’œuvre du Dr Elie Montalto”, Mélanges d'histoire de la médecine hébraïque : études choisies de la Revue d'histoire de la médecine hébraïque (1948-1985), réunis par Gad Freudenthal et Samuel Kottek, Leiden : Brill, 2003, p. 230 ; artigo publicado em março de 1953).
[4] Bibliotheca Lusitana, Lisboa : Na officina de Ignacio Rodrigues, 1747, t. II, p. 75-76. Conhece as edições de 1614 e 1628.
[5] Universal Short-Title Catalogue nº 662769 <http://ustc.ac.uk/index.php/record/662769>
[6] Ver Augusto da Silva Carvalho, 1941, p. 348.
[7] O que explica a ausência de análise da obra da parte dos historiadores portugueses que só conhecem a Optica (exemplares : Faculdade de Medicina, Coimbra ; Biblioteca Municipal, Porto ; Biblioteca Municipal, Évora).
[8] Albert Von Haller (Biblioteca Medicinae practicae, Bernae : E. Haller, 1777, t. II, p. 438) menciona duas edições parisienses no ano 1614 : a Archipathologia e um De internis capitis affectibus. Sabemos que este é o subtítulo da Archipathologia, palavra que pode ter deixado alguns perplexos (desaparece do título na edição de 1628 ; lista nº 3). Deve tratar-se de uma dupla pela separação das partes do título completo original.
[9] Idênticos reclamos e assinaturas de caderno, nome de autor et título da obra.
[10] Ver imagem da página de rosto. O mesmo editor parisiano publicou em 1615 uma obra de Henry de Montagu, Les Figures de l’honneur, cuja página de rosto apresenta uma vinheta diferente. François Gueffier, livreiro, é mais conhecido : em maio de 1594 passou contrato para 9 anos com a comandaria de Saint-Jean-de-Latran para o aluguer de uma livraria na mesma rua que Pierre (Philippe Renouard, Documents sur les imprimeurs, libraires, Paris : Champion, 1901, p. 117) ; editou os Essais de Michel de Montaigne em 1611.
[11] O catálogo da livraria de Santa Cruz (Coimbra) menciona três vezes o nome de Montalto, sob diversas formas : « Montalto (Philippus), Montalto (Philotheus Elianus) » e « Elianus Montalto (Philotheus) » (Index Generalis, t. I, p. 642 e t. II, p. 327 ; Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, MS 1825-1826). Mas não aparece nenhuma obra deste autor nos catálogos de títulos (MS 1827-1829 = 7759 entradas).
[12] Hipótese avançada por Jean-Paul Pittion (Trinity College, Dublin, e CESR, Tours), autor de um livro de referência recentemente publicado : Le Livre à la Renaissance. Introduction à la bibliographie historique et matérielle, Turnhout : Brepols, 2013).
[13] Ian Maclean, «‘Lusitani periti’: Portuguese medical authors, national identity and bibliography in the late Renaissance» (Learning and the Market Place: Essays in the History of the Early Modern Book, Leiden : Brill, 2009, cap. 13), p. 394.
[14] Philothei Eliani Montalto Optica (1613) : desaparece a identificação étnica e aparece o nome com conotação judaica nesta reedição que precede de um ano a Archipathologia no contexto das relações editoriais com a sociedade Caldoriana de Genebra.
[15] Albert Von Haller, Biblioteca Medicinae practicae,  Bernae : E. Haller, 1777, t. II, p. 338.
[16] São dois : Pierre Chevalier I (1571 ?-16.. ; fl. 1597-1613), II (15..-1628).
[17] As impressões para a sociedade Caldoriana geralmente são feitas em Genebra (Coloniae ou Aureliae Allobrogum ; Villa Sanvincentiana ; Saint-Gervais = Coligny ? ; em Yverdon a partir de 1617) ; outros lugares de edições humanistas : Paris (Calepini Dictionarium, 1607 ; Aristófanes, 1606) ; Lião (Plínio, 1606).

H.B.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

José Pinto de Azeredo: Estado da Arte

Realizar-se-á na Sexta-feira da próxima semana, dia 19 de Setembro, a próxima sessão do curso dedicado à história do pensamento médico português, actividade enquadrada  no âmbito do projecto “O conceito de natureza na transição do século XVII ao XVIII”.


A sessão  terá como tema José Pinto de Azeredo: Estado da Arte, com intervenções de Manuel Silvério Marques e de outros membros da equipa de investigação sobre a obra de Pinto de Azeredo. 


A iniciativa terá lugar na sala 0. 07 do Edifício ID, piso 0, Avenida de Berna, nº 26. 

A entrada é livre.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

SWAMMERDAM. O COCA-BICHINHOS PERFECCIONISTA, A PROVA E A MUSA

MANUEL SILVÉRIO MARQUES


23 de Julho, 16h.

Seminário Permanente «O Conceito de Natureza no Pensamento Médico-Filosófico na Transição do Século XVII ao XVIII


FCSH/UNL, Edifício ID, Avenida de Berna, nº 260, Sala 0.06 do Edifício ID






sexta-feira, 27 de junho de 2014

Caros Colegas, 

Realizar-se-á na próxima Sexta-feira, dia 4 de Julho, a quinta sessão do curso dedicado à história do pensamento médico português, actividade enquadrada  no âmbito do projecto “O conceito de natureza na transição do século XVII ao XVIII”.

A sessão  terá como tema Afectos e Saúde Mental em Filipe Montalto e Ribeiro Sanches  e os trabalhos serão coordenados por Adelino Cardoso, Ângela Nobre Lacerda e Bruno Barreiros.


A iniciativa terá lugar na sala 1.05, 1º piso, do Edifício ID, Avenida de Berna, nº 26. 

A entrada é livre.

As mais cordiais saudações.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Seminário Interdisciplinar de Psicossomática (1 de Julho)

Realizar-se-á dentro de poucos dias a próxima sessão do Seminário Interdisciplinar de Psicossomática, uma iniciativa conjunta da Sociedade Portuguesa de Psicossomática e do Centro de História da Cultura, que se realizará no próximo dia 1 de Julho, terça-feira, pelas 21h no CHC (Edifício ID, 2º andar, Av. de Berna nº 26).

Jorge Câmara, psiquiatra e Psicanalista, apresentará um trabalho sobre:

UNHEIMLICH- (estranho) - o Narcisismo das pequenas diferenças

Resumo:

A partir do conceito Psicanalítico de " narcisismo das pequenas diferenças", a minha apresentação tem como objectivo reflectir a partir de Freud e do pensamento psicanalítico sobre as raízes da intolerância à diferença.

Palavras-chave: UNHEIMLICH, Freud, “narcisismo das pequenas diferenças”,
Freud – “Totem e Tabu”,” Moisés e o monoteísmo”. “Mal-estar na civilização”, " psicologia das massas e análise do eu". 

quarta-feira, 18 de junho de 2014



O Homem de Descartes.
A situação em 2014 (III)


3. Algumas receções seis- e setecentistas

Uma das principais novidades do colóquio de janeiro (ver neste blog, 27.01.2014 e 14.02.2014) foi também ajudar a compreender melhor um capítulo do cartesianismo no que toca a O Homem, isto é levar uma parte do véu sobre as leituras que foram feitas a partir das primeiras publicações, póstumas, relembremos.
Certo é que, com a edição latina e depois a francesa, reações e aproveitamentos não tardaram a exprimir-se.
Na sua comunicação, « Médecins et cartésiens entre Louvain et Paris (1662-1670) », Domenico Collaccioni estudou o processo de receção atribulado do tratado cartesiano pela Universidade de Lovaina, antes da condenação de 1662 e nos anos seguintes, com destaque para os escritos de Vincent Philippeaux. Em particular, o Compendium omnium praecipuarum actionum automaticarum in homine (1662), pouco conhecido até agora, que pode ser considerado em parte como um comentário d’O Homem. Esclareceu também a vivacidade da receção lovaniana pela defesa, no ano de 1662, de três teses de medicina, ligadas à questão das ações automáticas, fator não alheio à reação institucional no contexto do aceso conflito opondo jesuítas e jansenistas.
As apresentações que se seguem são da autoria de cada autor e foram traduzidas (do francês ou do inglês).


Philippe Drieux, « Machine et communication ».
O parágrafo de O Homem correspondendo ao artigo 83 da tabela elaborada por Clerselier deixa admirado La Forge. Acha o artigo « demasiado breve por estar tão bonito ». O objetivo desta comunicação visa assim elucidar as motivações de tal apreciação estética. Deve-se ao fato de La Forge crer poder ler no texto de Clerselier uma descrição do suporte corporal das ligações que nos unem secretamente às màquinas parecidas connosco.  Esta leitura impõe ao texto cartesiano várias torções mas contribui para o fazer entrar na posteridade, nomeadamente em Malebranche. A leitura ocasionalista do artigo por La Forge constitui um bom exemplo de figura da problemática da receção.

Emanuela Scribano, « La Forge et les ennemis de L’Homme ».
No seu Traité de l'esprit de l'homme, La Forge entra em polémica com os filósofos que confundem o espírito e o corpo atribuindo a razão aos animais. O erro desses filósofos vem de acreditarem que o comportamento animal implica a inteligência. Cureau de La Chambre encarna o inimigo de La Forge. Segundo este último, a fisiologia de Descartes fornece o melhor argumento contra aqueles que fazem a confusão espírito/corpo porque demonstra que nenhum conhecimento é necessário para explicar este comportamento. O princípio segundo o qual o conhecimento é necessário para produzir um efeito, que será central no ocasionalismo, é portanto percebido como estranho à filosofia cartesiana pelos primeiros filósofos que se reclamam da filosofia de Descartes.

Raphaëlle Andrault, « Sténon lecteur de L’Homme ».
Em 1665, o Discours sur l'anatomie du cerveau (Discurso sobre a anatomia do cérebro) pronunciado no salão de Thévenot em Paris fica como um marco durável na história do cartesianismo. Percebido como uma arma para refutar de maneira definitiva a explicação da união do corpo e da alma proposta pelo tratado d’O Homem, passa a ser uma máquina de guerra virada contra a metafísica cartesiana, nomeadamente por Spinoza e Leibniz. Esta receção oculta no entanto as relações ambíguas e complexas entre a anatomia de Sténon e a epistemologia cartesiana. Comparar o uso da analogia da máquina em La Forge e em Sténon permite esclarecer não só a natureza do desde então chamado « mecanismo médico », a ligação entre a metafísica da união e a anatomia do cérebro, mas também as diferentes articulações, desenvolvidas pelos cientistas que se reclamam de Descartes, entre observações e hipóteses.



O Homem de Descartes.
A situação em 2014 (IV)

4. Abordagens filosóficas

Claude Gautier , « Le Traité de la nature humaine de David Hume est-il un traité de l'homme 
Na sua comunicacão, « Será o Traité de la nature humaine de David Hume um tratado do homem ? », procurou mostrar de que maneira(s) a nova distinção entre filosofia natural e filosofia moral, depois de Newton, reinterpretada por Hume numa perspectiva céptica e empirista, leva a dissociar o que pertence à constituição de uma ciência do homem, entendida como um indispensável pressuposto do desenvolvimento dos saberes positivos.

Erik-Jan Bos, « The concept of « inverse transmission » of sense perception in the brain ».
Em O Homem, Descartes trata extensamente dum tópico que se podia chamar « transmissão inversa ». As sensações das coisas exteriores são transferidas da superfície interior do cérebro para a glândula pineal pelos espíritos animais, que fluem fora da glândula para a superfície interior do cérebro. Na Dioptrique, Descartes deixa em silêncio esta última fase da percepção e as poucas palavras sobre isso nas Passions de l’âme contradizem a explicação de origem. Neste contexto as disputas de Regius em 1641 são comprovadamente interessantes. Mostram que Regius sabia muito mais sobre as teorias de Descartes, incluindo a questão do enchimento das cavidades do cérebro, do que se pode encontrar nos escritos de Descartes. Defendo que 1) as publicações de Descartes refletem as ideias mais avançadas de Descartes ; 2) a publicação d’O Homem pode ser vista como um falhanço, uma vez que Descartes nunca mais assumiu algumas dessas ideias.

Julie Henry, « Ce que peut le corps. Une mise en regard du traité de L’Homme de Descartes et de l’Abrégé de physique de Spinoza »
O Homem de Descartes e o chamado Abrégé de physique de Spinoza, muito diferentes tanto na forma como nos conteúdos, partilham uma abordagem comum : pensar o que pode o corpo por si mesmo. Nesta perspectiva das funções corporais, propôs-se um diálogo imaginário entre ambos os textos, reinscrivendo-os nos respetivos projetos filosóficos : descrição fisiológica e sensitiva do corpo humano no primeiro, material físico numa perspetiva ética para o segundo. 
Stephen Gaukroger
O projeto filosófico geral de Descartes leva também em conta o que faz humanos os seres humanos. Este aspeto é muitas vezes implícito e a melhor maneira de o tornar manifesto consiste em comparar o que diz dos estados cognitivos e afetivos dos animais e o que diz desses estados nos humanos. Descobrimos então, apesar de uma certa semelhança entre eles, que o que distingue os seres humanos é a sua capacidade de se distanciarem desses estados e fazerem juízos sobre eles. Os críticos de Descartes no século XVIII argumentaram que esta conceição individualista era inadequada.

(FIM)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

quarta-feira, 28 de maio de 2014

IV Congresso Nacional da SPPS - Tratar o Futuro: um lugar para a saúde!

É com particular satisfação que vimos convidá-lo(a) a participar no IV Congresso da Sociedade Portuguesa de Psicossomática: «Tratar o Futuro - Um Lugar para a Saúde», que terá lugar nos dias 30 e 31 de Maio de 2014 e contará com o apoio da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, em cujas instalações se realizará.
 
Propomos uma reflexão multidimensional sobre o tempo presente em que a identidade relacional se encontra ameaçada, em que as expectativas nos amanhãs estão enfraquecidas, em que a reativação da insegurança básica, sob um poder arbitrário, compromete a regulação psicossomática do Ser.
 
Partindo das perspetivas da Psicologia, da Sociologia, da Filosofia, da Medicina, da Psiquiatria, da Psicanálise, da Neurobiologia, da Fisiologia e de outras áreas do conhecimento, interrogamo-nos sobre como abrir no presente caminhos para o futuro.
 
O programa do Congresso pode ser consultado em http://sppsicossomatica.org/Noticias/TRATAR-O-FUTURO-UM-LUGAR-PARA-A-SAUDE

Para inscrição:
Está disponível no site http://sppsicossomatica.org/Noticias/TRATAR-O-FUTURO-UM-LUGAR-PARA-A-SAUDE o formulário de inscrições.
 

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Sessão do Curso História do Pensamento Médico Português

Caros colegas,
Decorrerá na próxima Sexta-feira, dia 23 de Maio, entre as 10 e as 12.30h, a quarta sessão de um curso consagrado à História da Medicina Portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Nesta sessão, Adelino Cardoso e Manuel Silvério Marques orientarão os trabalhos em torno do tema: O fibrilismo de Jacob de Castro Sarmento.
A iniciativa terá lugar no Edifício I&D, da FCSH, na Sala do Centro de História da Cultura (Avenida de Berna, 26, Lisboa).
A entrada é livre.

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Conferência sobre o Médico Político por Adelino Cardoso

Decorrerá esta quinta-feira, dia 8, pelas 18.30, na Sociedade de Geografia (R. das Portas de Santo Antão, nº 100) uma conferência dedicada à obra O Médico Político da autoria de Rodrigo de Castro, que será proferida pelo nosso colega Adelino Cardoso.

Esta obra faz 400 anos este ano e mantém uma capacidade imensa de nos interpelar.

A entrada é livre.

sábado, 26 de abril de 2014


Curso sobre História do Pensamento Médico Português 

Coordenação: Adelino Cardoso, Manuel Silvério Marques e Bruno Barreiros

Decorrerá na próxima Sexta-feira, dia 2 de Maio, entre as 10 e as 12.30h, a terceira sessão de um curso consagrado à História da Medicina Portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Nesta sessão, Bruno Barreiros e Palmira Fontes da Costa orientarão os trabalhos em torno do tema: Feitiços, Monstros e Prodígios: o Insólito  e o Maravilhoso nos Livros Médicos de Bernardo Pereira (c.1681-1759).
 A iniciativa terá lugar no Edifício I&D, da FCSH (Avenida de Berna, 26, Lisboa).
Realizado no âmbito do projecto “O conceito de natureza na transição do século XVII ao XVIII”, o curso incidirá sobre o pensamento médico, no qual se inclui não apenas a ciência e a arte médicas mas também representações e procedimentos que decorrem da cultura envolvente. Os marcos temporais são a publicação da Polyantheia Medicinal (1697) de J. Curvo Semedo e a redacção da Isagoge de José Pinto de Azeredo. Grosso modo, intentar-se-á evidenciar a especificidade do pensamento médico português, no diálogo com a medicina europeia.
Iniciado no dia 14 de Fevereiro, com uma sessão sobre “A continuidade entre o físico e o psíquico na Polyantheia de Curvo Semedo”, o curso prosseguirá com uma periodicidade aproximadamente mensal, com o calendário seguinte:
 
28 de Março: Algumas Notas sobre a Produção Teórica de Francisco da Fonseca Henriques (1665-1731): os Textos e Contextos (Bruno Barreiros)
2 de Maio: Feitiços, Monstros e Prodígios: O Insólito e o Maravilhoso nos Livros Médicos de Bernardo Pereira (1681-c.1759) (Bruno Barreiros e Palmira Fontes da Costa)
23 de Maio: O fibrilismo de Jacob de Castro Sarmento
4 de Julho: Afectos e Saúde Mental em Filipe Montalto e Ribeiro Sanches (Adelino Cardoso, Ângela Nobre Lacerda e Bruno Barreiros)
19 de Setembro: José Pinto de Azeredo: estado da arte (Manuel Silvério Marques e equipa de investigação sobre a obra de Pinto de Azeredo)
17 de Outubro: José Pinto de Azeredo (Manuel Silvério Marques)
2 de Dezembro: Conceito de Degenerescência

 

 

 

 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Cara(o)s Colegas,

Decorrerá no final da semana a próxima sessão do Seminário Permanente "O conceito de natureza no pensamento médico-filosófico na transição do século XVII ao XVIII".  Adelino Cardoso (FCSH/UNL) apresentará um trabalho sobre "A filosofia natural de Pierre Bayle: O dualismo levado ao limite".

Esta sessão terá lugar no dia 27 de Fevereiro, Quinta-feira, pelas 10h, na sala 0. 07 do edifício I6D da FCSH (Av. de Berna, 26, piso 0).

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

"O Homem" de René Descartes. A situação em 2014 (II)

2. Aspetos científicos e literários
Pode parecer surpreendente tratar juntamente desses aspetos comunmente dissociados, até concebidos como antagónicos. Mas a dicotomia literatura/ciência que, na maior parte das vezes, é bastante válida quanto à caraterização da discursividade moderna, não é pertinente no caso da escrita pré-moderna, seja qual for o campo discursivo em análise. A “cornucópia” humanista é também fator de mistura genérica, ignorando alegremente os nossos códigos disciplinares. Pelo menos, foi superando esse tipo de oposição que renovaram, e despertaram o interesse por ela, a obra física de Descartes, Le Monde. O estudo libertador de Pierre Alain Cahné, Un autre Descartes. Le philosophe et son langage (Paris, Vrin, 1980), seguido pelo de Jean-Pierre Cavaillé, La Fable du monde (Paris, Vrin-EHESS, 1991), assinalaram o seu caráter literário, ressalvando a sua estrutura retórica. Um outro trabalho marcante na história da redescoberta dos textos de física foram as análises de Fernand Hallyn, das quais se pode destacar o capítulo 4 de Les Structures rhétoriques de la science : de Kepler à Maxwell (Paris, Seuil, 2004).
No colóquio de Lyon foram abordados vários aspetos daquilo que poderíamos chamar a sua cientificidade literária. Não se trata, pois, de avaliar conteúdos científicos através de uma grelha de leitura literária mas sim de descrever e compreender como esses conteúdos passam também por um trabalho textual, isto é, mostrar até que ponto a informação de cariz teórico depende da formatação não só pela escrita mas também pela imagem. Portanto, aqui, não interessa em primeiro lugar a questão filológica das fontes dos conhecimentos médicos e da teoria cartesiana exposta na parte d’O Mundo intitulada O Homem.
A análise textual, certamente ainda não acabada, forneceu muita matéria, principalmente graças às investigações ao longo de quase três décadas d’Annie Bitbol-Hespériès. Repetimos o que dissemos no ponto 1, aguarda-se com expetativa a anotação de teor científico na sua futura edição. O que mais devemos destacar aqui é a especificidade discursiva deste texto em relação ao resto do corpus cartesiano por não ser, à primeira vista, uma obra de reflexão filosófica, devendo ser aproximado da produção médica, sobretudo anatómica. Deste modo, chega-se a formular a questão seguinte: quais os instrumentos (inteletuais) com que Descartes defende a nova explicação do funcionamento do corpo humano? ou, noutras palavras: qual é o estilo da fisiologia cartesiana?
Não foi propriamente assim que os intervenientes expuseram a sua abordagem. Mas parece-nos que a orientação das análises vai também neste sentido. A noção de estilo é, pois, discutível. Com o da intertextualidade, intrometeu-se tardiamente no campo da filosofia e das ciências. Foi em 2013 que um cartesianista francês, Denis Kambouchner, ousou publicar um estudo intitulado Le Style de Descartes (Paris, Manucius, 2013), considerando que a realização do sistema pela escrita pode ser estudada como o processo idêntico ao de qualquer homem de letras. No entanto, este ensaio não providencia respostas à nossa interrogação. A problemática da escrita d’O Homem cruza o campo da ciência com o da expressão literal, a questão do escrever a matéria não se coaduna com a da escrita filosófica, isto é do trabalho do conceito.
A abordagem do homem levou Descartes a formar-se em duas disciplinas a que, até 1630, quase nunca se tinha dedicado, a anatomia e a química. A matéria, ou o objecto, deste tratado é o corpo enquanto objeto real. Obrigando portanto a uma indagação prática. Daí a reformulação da questão inicial com vista a expor brevemente as comunicações feitas em Lyon: qual é a maneira própria de Descartes para descrever o corpo em funcionamento, sabendo-se que a teoria subjacente a esta descrição, o mecanismo, rompe com uma grande parte da tradição?
Luís Manuel Bernardo analisou o sistema da analogia :
« Num primeiro momento, procurámos estabelecer um princípio de organização da quantidade e diversidade das analogias, para, num segundo momento, tentarmos melhor definir o objectivo de Descartes ao recorrer a esse dispositivo retórico no domínio da investigação científica, nomeadamente, numa etapa de constituição desse tipo de saber. Tornando-se, então, evidente que se tratava de induzir um imaginário científico associado a um modo particular de conceptualização, buscámos nas Regras para a Direcção do espírito, o aparato justificativo de um tal procedimento. Essa inquirição levou-nos a dois resultados conclusivos paradoxais : por um lado, a constituição de um imaginário revelou-se necessária à luz dos princípios epistemológicos desse texto, enquanto, por outro, ambas as obras, postas em diálogo, suscitaram a questão da sua fragilidade metafísica, na qual, mais do que em condições contextuais, julgamos estar a razão para o respectivo abandono » (resumo por Luís Manuel Bernardo).
Quanto a uma abordagem meramente científica, isto é na perspetiva da história das ciências, Bitbol-Hespériès relembrou a grandes linhas dos contéudos médicos, insistindo sobre a novidade cartesiana, contemporânea dos trabalhos de William Harvey (1578-1657). Daí o problema do contributo real de Descartes, cuja teoria da circulação coexiste com a do Inglês mas não resistirá às evoluções. O golpe de morte será dado pelo newtonianismo. A historiadora realça assim o contributo na publicitação da descoberta harveiana graças ao Discurso do método (1637) que, diz ela, permitiu dar a conhecer a teoria dentro dum terreno novo. A fisiologia mecânica facilitou, por assim dizer, a promoção da outra teoria, que ainda ficava agarrada a paradigmas tradicionais, como o do Sol/coração, com o qual rompe Descartes. Mas, supondo a legitimidade da expressão, o que dizer da anatomia cartesiana, sendo esta prática uma das duas adoptadas por Descartes para construir o seu sistema fisiológico.
Vimos que a descrição e a explicação fisiológicas cartesianas passam pela analogia, isto é uma figura de pensamento e de expressão. A comunicação de Hervé Baudry tencionou dar pistas de leitura nesta perspetiva. O Homem entra em concorrência (científica) com os anatomistas profissionais, aos quais o autor se refere repetidas vezes para diferenciar a sua posição. A anatomia é a divisão organizada do corpo em partes cada vez mais pequenas. Pode-se dizer que a ruptura cartesiana põe em causa dois princípios: o visível, estudado pelos anatomistas; a lógica anatómica que, segundo Guy de Chauliac (ca. 1298-1368) no Capítulo singular da Grande Cirurgia, reeditada e traduzida ao longo dos séc. 16 e 17, conduz do geral ao particular. Para Descartes, observar à maneira dos anatomistas não chega para atingir o essencial, isto é, o que faz funcionar o corpo, porque não é visível. O autor segue Jean Fernel (1497-1558) para quem a fisiologia é a ciência do invisível. A observação anatómica, dependente dos sentidos (vista e tato) é portanto ultrapassada pelo processo de inteligibilidade. Deste ponto de vista, a anatomia forneceu a Descartes, por assim dizer, um mapa rodoviário ajudando-o a entrar nos labirintos do corpo. Por outro lado, reduz as suas partes a um número muito inferior ao dos manuais de anatomia que utiliza (entre outros, Jean Bauhin). Esta simplificação impera também sobre vários paradigmas da tradição galénico-aristotélica (espíritos, funções...). O modelo químico constitui uma base da sua fisiologia mecânica, sendo possível encará-la como a inversão da lógica comum: Descartes deduz dos princípios dinâmicos (fermentação, destilação...) os mecanismos, figuras e movimentos, do funcionamento corporal através da observação, direta e indireta, de alguns órgãos (em particular o coração e o cérebro), veias, músculos e nervos. Desta maneira, O Homem propõe uma explicação fisiológica em que o invisível se torna visível e inteligível graças à demonstração iconográfica e à retórica da comparação (a como b). Este duplo modo discursivo imagem/texto (veja a ilustração em baixo) assinala a estreita combinação do literário e do científico num objetivo que não é de ilustrar, no sentido moral, humanista, e cognitivo, mas de convencer, implicitamente, da caducidade do antigo sistema, com um novo modelo de inteligibilidade.

 

(O Homem, 1662, p. 25; desenho feito por Descartes)