segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"O Homem" de René Descartes. A situação em 2014 (I)


O Homem de René Descartes
A situação em 2014


No quadro do projeto « O conceito de natureza no pensamento médico-filosófico na transição do século XVII ao XVIII », investigadores do CHC participaram no colóquio Nouvelles recherches sur le traité de L’Homme de Descartes. Foi organizado por Delphine Kolesnik-Antoine e teve lugar na ENS de Lyon em 16 e 17 de janeiro de 2014, contando com 19 participantes (inicialmente 20). 
Pela primeira vez, O Homem foi alvo exclusivo de um encontro de especialistas, o que é de notar uma vez que é um texto do corpus cartesiano considerado secundário dado o seu teor, aparentemente, menos « filosófico ». O evento reflete a evolução dos estudos não só internalistas mas também em história da filosofia, que se traduz em abordagens multidisciplinares e pela atenção cada vez maior à história dos textos.
O tratado, provavelmente redigido em 1632-1633, mas cujo manuscrito autográfo não se conhece, teve publicação póstuma, uma primeira vez numa tradução latina em 1662, depois na língua original, o francês, em 1664. Além disso, tratando-se de uma parte do tratado de física intitulado Le Monde, temos os principais ingredientes que constituem a especificidade do texto em análise e orientam futuros trabalhos: (1) problemas do estabelecimento do texto, (2) aspetos científicos e literários, (3) receções seis- e setecentistas e (4) leituras filosóficas. O colóquio permitiu abordar todos estes aspetos e trazer algumas novidades. Dado o número e a qualidade das intervenções, só podemos exprimir, desde já, o nosso desejo que as atas deste encontro saiam à luz os mais rapidamente possível. Contentemo-nos agora com alguns reparos sobre as rubricas assinaladas. Cada uma será publicada à parte ao longo das próximas semanas.

1. O texto d’O Homem
Este tratado tem sido mal... tratado pelos tradutores e editores. No mesmo ano que L’Homme, em 1664, foi publicado Le Monde ou Traité de la lumière (O Mundo ou Tratado da luz). Na realidade, O Mundo de Descartes é constituído por ambos os textos. Claude Clerselier, o primeiro editor do texto francês, que afirma possuir o texto original, explicou que o título « O Homem » não era de Descartes, mas sim era precedido por um mero « capítulo 18 ». Destarte, O Homem deve ser considerado, dado a sua dimensão e coerência interna, como a segunda parte do Mundo. A primeira, ou Tratado da luz, é composta por 15 capítulos, ficando por resolver a questão dos capítulos em falta, 16 e 17. É este Mundo (incompleto) que foi traduzido em várias línguas, o alemão (Le monde ou traité de la lumière = Die Welt oder Abhandlung über das Licht, trad. G. Matthias Tripp, Berlin : Akad.-Verlag, 1989), o espanhol (El mundo o el tratado de la luz, trad. Ana Rioja, Madrid : Alianza, 1991) ou, há mais tempo, o russo (Kosmogonija, trad. S. F. Vasil’eva, Baku, Izd. Azerbajdžan. Gos. Naučno-Issledovat. Inst., 1930). 

Capa das edições originais

Para o colóquio foram convidados tradutores mais recentes : Stephen Gaukroger apresentou a sua tradução sob o título The World and Other Writings (1998) coexiste com à de Thomas Steele Hall (1972, 2003) ; Erik-Jan Bos falou um pouco da edição neerlandesa que anotou com Han van Ruler e que foi traduzida a partir do texto francês por Jeanne Holierhoek (De Wereld, De Mens, Amsterdam : Boom, 2011) ; Delphine Kolesnik-Antoine apresentou uma nova edição numa colecção de bolso, bem necessária para quem quer ter acesso ao texto provavelmente mais próximo do original e ao alcance do grande público. Até agora, tínhamos várias edições de acesso difícil, por estarem esgotadas, sendo a melhor, para análise, a de Annie Bitbol-Hespériès, a primeira a unir as duas partes sob o mesmo título (Le Monde, Paris, Seuil, 1996). Esta especialista da questão médica em Descartes também apresentou as linhas da problemática científica deste texto e descreveu as novidades da futura edição dos escritos médicos cartesianos (além do Homem, a Description du corps humain, os Excerpta anatomica e as Primae Cogitationes), isto é o volume II das obras completas a publicar por Gallimard na coleção TEL (já sairam os vol. III e VIII 1 e 2). Informação valiosa sobre a questão filológica foi provida por Franco-Aurelio Meschini na sua comunicação « Materiali per un’edizione critica de L’Homme ed altre suggestioni », prolongando os trabalhos que publicou em 2011 na obra coletiva Le opere dei filosofi e degli scienziati. Filosofia e scienza tra testo, libro e biblioteche (Firenze: Olschki, p. 165-204). Enfim, o ponto da situação sobre a nossa tradução portuguesa ocasionou sobretudo uma formulação interrogativa sobre o texto de referência e os protocolos para uma edição crítica, nomeadamente a questão das variantes em relação ao texto traduzido. Como disse em introdução Meschini, editar implica liberdade do lado do editor e legibilidade do lado do leitor. Portanto, ainda estamos livres de escolher entre o texto da primeira edição latina, por Schuyl, de 1662 e a segunda, pelo mesmo com variantes, de 1664, ou seja, como mostra o stemma de Meschini (2011, p. 202), o texto provindo da cópia de Van Surch e o outro provindo da cópia de Gutschoven. 
(a seguir)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Próxima sessão do Seminário "Arte Médica e inteligibilidade científica na Archipathologia de Filipe montalto"

Convidamos todos os interessados para a próxima sessão do Seminário "Arte Médica e inteligibilidade científica na Archipathologia de Filipe Montalto", que se realizará no próximo dia 30, entre as 10 e as 12h no Edifício I&D da FCSH (Avenida de Berna, 26, Lisboa).
 
Nesta sessão, Guido Giglioni, do Warburg Institute of London, apresentará uma comunicação sobre o aforismo hipocrático segundo o qual "Those who suffering from a bodilly pain, for the most part do not feel pain are mentally ill".
 
A entrada é livre.