terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Cara(o)s Colegas,

Decorrerá no final da semana a próxima sessão do Seminário Permanente "O conceito de natureza no pensamento médico-filosófico na transição do século XVII ao XVIII".  Adelino Cardoso (FCSH/UNL) apresentará um trabalho sobre "A filosofia natural de Pierre Bayle: O dualismo levado ao limite".

Esta sessão terá lugar no dia 27 de Fevereiro, Quinta-feira, pelas 10h, na sala 0. 07 do edifício I6D da FCSH (Av. de Berna, 26, piso 0).

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

"O Homem" de René Descartes. A situação em 2014 (II)

2. Aspetos científicos e literários
Pode parecer surpreendente tratar juntamente desses aspetos comunmente dissociados, até concebidos como antagónicos. Mas a dicotomia literatura/ciência que, na maior parte das vezes, é bastante válida quanto à caraterização da discursividade moderna, não é pertinente no caso da escrita pré-moderna, seja qual for o campo discursivo em análise. A “cornucópia” humanista é também fator de mistura genérica, ignorando alegremente os nossos códigos disciplinares. Pelo menos, foi superando esse tipo de oposição que renovaram, e despertaram o interesse por ela, a obra física de Descartes, Le Monde. O estudo libertador de Pierre Alain Cahné, Un autre Descartes. Le philosophe et son langage (Paris, Vrin, 1980), seguido pelo de Jean-Pierre Cavaillé, La Fable du monde (Paris, Vrin-EHESS, 1991), assinalaram o seu caráter literário, ressalvando a sua estrutura retórica. Um outro trabalho marcante na história da redescoberta dos textos de física foram as análises de Fernand Hallyn, das quais se pode destacar o capítulo 4 de Les Structures rhétoriques de la science : de Kepler à Maxwell (Paris, Seuil, 2004).
No colóquio de Lyon foram abordados vários aspetos daquilo que poderíamos chamar a sua cientificidade literária. Não se trata, pois, de avaliar conteúdos científicos através de uma grelha de leitura literária mas sim de descrever e compreender como esses conteúdos passam também por um trabalho textual, isto é, mostrar até que ponto a informação de cariz teórico depende da formatação não só pela escrita mas também pela imagem. Portanto, aqui, não interessa em primeiro lugar a questão filológica das fontes dos conhecimentos médicos e da teoria cartesiana exposta na parte d’O Mundo intitulada O Homem.
A análise textual, certamente ainda não acabada, forneceu muita matéria, principalmente graças às investigações ao longo de quase três décadas d’Annie Bitbol-Hespériès. Repetimos o que dissemos no ponto 1, aguarda-se com expetativa a anotação de teor científico na sua futura edição. O que mais devemos destacar aqui é a especificidade discursiva deste texto em relação ao resto do corpus cartesiano por não ser, à primeira vista, uma obra de reflexão filosófica, devendo ser aproximado da produção médica, sobretudo anatómica. Deste modo, chega-se a formular a questão seguinte: quais os instrumentos (inteletuais) com que Descartes defende a nova explicação do funcionamento do corpo humano? ou, noutras palavras: qual é o estilo da fisiologia cartesiana?
Não foi propriamente assim que os intervenientes expuseram a sua abordagem. Mas parece-nos que a orientação das análises vai também neste sentido. A noção de estilo é, pois, discutível. Com o da intertextualidade, intrometeu-se tardiamente no campo da filosofia e das ciências. Foi em 2013 que um cartesianista francês, Denis Kambouchner, ousou publicar um estudo intitulado Le Style de Descartes (Paris, Manucius, 2013), considerando que a realização do sistema pela escrita pode ser estudada como o processo idêntico ao de qualquer homem de letras. No entanto, este ensaio não providencia respostas à nossa interrogação. A problemática da escrita d’O Homem cruza o campo da ciência com o da expressão literal, a questão do escrever a matéria não se coaduna com a da escrita filosófica, isto é do trabalho do conceito.
A abordagem do homem levou Descartes a formar-se em duas disciplinas a que, até 1630, quase nunca se tinha dedicado, a anatomia e a química. A matéria, ou o objecto, deste tratado é o corpo enquanto objeto real. Obrigando portanto a uma indagação prática. Daí a reformulação da questão inicial com vista a expor brevemente as comunicações feitas em Lyon: qual é a maneira própria de Descartes para descrever o corpo em funcionamento, sabendo-se que a teoria subjacente a esta descrição, o mecanismo, rompe com uma grande parte da tradição?
Luís Manuel Bernardo analisou o sistema da analogia :
« Num primeiro momento, procurámos estabelecer um princípio de organização da quantidade e diversidade das analogias, para, num segundo momento, tentarmos melhor definir o objectivo de Descartes ao recorrer a esse dispositivo retórico no domínio da investigação científica, nomeadamente, numa etapa de constituição desse tipo de saber. Tornando-se, então, evidente que se tratava de induzir um imaginário científico associado a um modo particular de conceptualização, buscámos nas Regras para a Direcção do espírito, o aparato justificativo de um tal procedimento. Essa inquirição levou-nos a dois resultados conclusivos paradoxais : por um lado, a constituição de um imaginário revelou-se necessária à luz dos princípios epistemológicos desse texto, enquanto, por outro, ambas as obras, postas em diálogo, suscitaram a questão da sua fragilidade metafísica, na qual, mais do que em condições contextuais, julgamos estar a razão para o respectivo abandono » (resumo por Luís Manuel Bernardo).
Quanto a uma abordagem meramente científica, isto é na perspetiva da história das ciências, Bitbol-Hespériès relembrou a grandes linhas dos contéudos médicos, insistindo sobre a novidade cartesiana, contemporânea dos trabalhos de William Harvey (1578-1657). Daí o problema do contributo real de Descartes, cuja teoria da circulação coexiste com a do Inglês mas não resistirá às evoluções. O golpe de morte será dado pelo newtonianismo. A historiadora realça assim o contributo na publicitação da descoberta harveiana graças ao Discurso do método (1637) que, diz ela, permitiu dar a conhecer a teoria dentro dum terreno novo. A fisiologia mecânica facilitou, por assim dizer, a promoção da outra teoria, que ainda ficava agarrada a paradigmas tradicionais, como o do Sol/coração, com o qual rompe Descartes. Mas, supondo a legitimidade da expressão, o que dizer da anatomia cartesiana, sendo esta prática uma das duas adoptadas por Descartes para construir o seu sistema fisiológico.
Vimos que a descrição e a explicação fisiológicas cartesianas passam pela analogia, isto é uma figura de pensamento e de expressão. A comunicação de Hervé Baudry tencionou dar pistas de leitura nesta perspetiva. O Homem entra em concorrência (científica) com os anatomistas profissionais, aos quais o autor se refere repetidas vezes para diferenciar a sua posição. A anatomia é a divisão organizada do corpo em partes cada vez mais pequenas. Pode-se dizer que a ruptura cartesiana põe em causa dois princípios: o visível, estudado pelos anatomistas; a lógica anatómica que, segundo Guy de Chauliac (ca. 1298-1368) no Capítulo singular da Grande Cirurgia, reeditada e traduzida ao longo dos séc. 16 e 17, conduz do geral ao particular. Para Descartes, observar à maneira dos anatomistas não chega para atingir o essencial, isto é, o que faz funcionar o corpo, porque não é visível. O autor segue Jean Fernel (1497-1558) para quem a fisiologia é a ciência do invisível. A observação anatómica, dependente dos sentidos (vista e tato) é portanto ultrapassada pelo processo de inteligibilidade. Deste ponto de vista, a anatomia forneceu a Descartes, por assim dizer, um mapa rodoviário ajudando-o a entrar nos labirintos do corpo. Por outro lado, reduz as suas partes a um número muito inferior ao dos manuais de anatomia que utiliza (entre outros, Jean Bauhin). Esta simplificação impera também sobre vários paradigmas da tradição galénico-aristotélica (espíritos, funções...). O modelo químico constitui uma base da sua fisiologia mecânica, sendo possível encará-la como a inversão da lógica comum: Descartes deduz dos princípios dinâmicos (fermentação, destilação...) os mecanismos, figuras e movimentos, do funcionamento corporal através da observação, direta e indireta, de alguns órgãos (em particular o coração e o cérebro), veias, músculos e nervos. Desta maneira, O Homem propõe uma explicação fisiológica em que o invisível se torna visível e inteligível graças à demonstração iconográfica e à retórica da comparação (a como b). Este duplo modo discursivo imagem/texto (veja a ilustração em baixo) assinala a estreita combinação do literário e do científico num objetivo que não é de ilustrar, no sentido moral, humanista, e cognitivo, mas de convencer, implicitamente, da caducidade do antigo sistema, com um novo modelo de inteligibilidade.

 

(O Homem, 1662, p. 25; desenho feito por Descartes)


terça-feira, 11 de fevereiro de 2014


Divulgação: História da Medicina Portuguesa nos séculos XVII e XVIII

Caros colegas,

Decorrerá na próxima Sexta-feira, dia 14, entre as 10 e as 12.30h, a primeira sessão de um curso consagrado à História da Medicina Portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Nesta primeira sessão, Adelino Cardoso (CHC/UNL) conduzirá os trabalhos em torno do tema: «A continuidade entre o físico e o mental na obra de João Curvo Semedo».

A iniciativa terá lugar no Edifício I&D, da FCSH (Avenida de Berna, 26, Lisboa).

A entrada é livre.

Saudações cordiais.