quarta-feira, 24 de setembro de 2014
segunda-feira, 22 de setembro de 2014
Archipathologia, 1614, exemplar da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
A bibliografia montaltiana tem
algumas lacunas e erros pelo facto de não existir um trabalho completo neste
campo. O ensaio mais abrangente, que se deve a Harry Friedenwald, remonta a
1935[2].
Quanto às edições do tratado aqui em questão, na sua bibliografia menciona o
seguinte : Archipathologia, Paris, 1614,
Saint-Gervais 1618 ou 1628, in-4º ; e dá o Tractatus de morbis capitis, Sancti Gervasii, 1628, como sendo provavelmente uma reedição do
anterior. Portanto, à data de 1628 aparecem dois possíveis títulos, num total
de três a quatro edições do mesmo texto. Para acabar com esta incerteza,
podemos afirmar que a edição de 1628 foi única sob um título efetivamente um
pouco diferente do original (ver abaixo a lista das edições de Montalto, no
3 ; doravante abreviado em « lista »).
Esta situação tem várias causas.
Uma delas é a pobreza da historiografia portuguesa[3].
A começar por Barbosa Machado[4]
que refere duas edições (1614 e 1628) e atribui ao nosso autor o De Homine
sano (1591) do Italiano Girolamo Montalto[5].
Esta confusão perdurou no séc. XX[6].
O que motiva o presente apontamento
é 1. informar da existência de uma segund impressão desconhecida do texto em
1614, a que se deve juntar uma precisão bibliográfica sobre a Lettre
d’Espagne (lista, nos 1 A e B) ; 2.
dar pistas de reflexão sobre os azares bibliográficos do autor.
1. Até agora pensou-se que não
havia exemplares da Archipathologia em Portugal[7].
No entanto, houve em 1614 uma outra impressão cujo único exemplar até agora
localizado pertence à Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do
Porto (lista, n º 2 B)[8].
Está registado no Catálogo das obras dos séculos XV-XVI-XVII (Porto, 1951, p. 156) em nome de « Montalvo (Filipe) - Filoteu Elias Montalto ». As duas formas, Montalvo e Montalto,
seguem Barbosa Machado, sendo a primeira provavelmente um erro tipográfico. Na
lombada da encadernação em pergaminho (séc. XVII) tem colado um compartimento
com letras douradas : MONTALTI ARCHIPATHOLOGIA » (séc. XIX ?).
Este exemplar é uma impressão da Archipathologia. Em nada difere da outra[9]
senão, na página de título, o endereço bibliográfico com uma vinheta própria[10].
Outra diferença notável é o fato de não ter privilégio, ao contrário da emissão
de Jacquin.
Sendo único, importa analisar as
marcas de intervenção não tipográficas. Segundo o selo de posse da Escola
Medico-Cirúrgica do Porto, o exemplar estava nesta cidade pelo menos no séc.
XIX (entre 1836 e 1911)[11].
Também se lê uma inscrição manuscrita, talvez de uma mão do séc. XVII, na
página de rosto : « num. 92 », que pode ser uma cota de
biblioteca particular. Um signo mais curioso é a adição, com tinta preta, de um
I no fim da data impressa (MDCXIIII) posteriormente rasurado. Portanto, alguém
achou necessário datá-lo do ano 1615, a não ser que lesse erradamente XIII, e
depois a mesma pessoa ou outra decidiu corrigir. O resto do exemplar não
apresenta sinais de leituras (marginalia,
sublinhados).
Passemos a análise das informações
dadas pelas duas emissões do tratado e pelas também duas emissões da Lettre
d’Espagne.
A emissão em nome de François
Jacquin (lista, nº 2 A), tida até agora como a única, teve privilégio, cujo
texto se desconhece, e foi feita a custos da sociedade Caldoriana (Caldoriana
Societas). Inicialmente baseada em Genebra, em
1606-1607, depois em Coligny, nos arredores desta cidade, esta sociedade
dedicada à edição foi fundada pelo humanista Pyrame de Candolle (1566-1626).
Foi esta que pagou a reedição genebrina da Optica de Montalto, um ano antes da Archipathologia vir à luz. Também sabemos que a reedição de 1628 será feita em
Genebra (« Saint-Gervais »). Estes pontos tendem para reforçar a
hipótese de relações nos primeiros anos de 1610 e até de contrato(s), ainda
desconhecidos, entre o autor, os editores e a sociedade presidida por Candolle.
Porém, imprimir em Paris, mais do que em Genebra, parecia óbvio uma vez que
Montalto era médico da rainha de França. Daí, também, a importância da dupla
emissão da Lettre d’Espagne uma das quais com
privilégio (lista, nº 1 A). Relembremos que o texto em latim encontra-se
no início da obra em ambas as emissões da Archipathologia. Assim, todas as versões e emissões saíram no mesmo ano de 1614.
Estes factos prefiguram uma orchestração refletindo uma estratégia editorial
forte da parte de todos os interessados.
Para concluir, diremos que, na
ausência de mais documentos sobre a história editorial deste grupo de
edições/emissões, não é possível elaborar uma cronologia certa. No entanto,
quanto à Archipathologia, dada a grande
diferença entre os números de exemplares ainda existentes das duas emissões, é
provável que a de Pierre Gueffier tenha sido feita em seguida a um acordo entre
as partes para uma tiragem limitada e sem privilégio[12].
O mesmo pode dizer-se da Lettre d’Espagne.
2. Elijah/Felipe Montalto pode ser
considerado o médico português menos conhecido no seu país de origem. Mas este
destino não é próprio da historiografia moderna e contemporânea. A bibliografia
médica da época pré-moderna conta com o De scriptis medicis libri duo de Van der Linden (Amsterdão, Johannes Blaeu, 1637). De Montalto,
só menciona a Optica. Se em Portugal houve um
autor cujas informações sobre autores foram lidas, é o Zacuto Lusitano. Várias
edições das suas obras contêm listas dos médicos que marcaram a história e que
ele cita. Acontece que Zacuto tirou parte das suas informações en Van der
Linden. Interessando-se pela lista dos médicos portugueses (Lusitani), Ian Maclean admira-se que Zacuto não tenha incluido Montalto
entre eles[13] enquanto
Van der Liden menciona « A Optica de
Philippus Montaltus, Lusitanus » (« Philippi Montalti, Lusitani,
Optica »). Mas o historiador inglês fica-se
por aí.
Van der Linden e Zacuto não
catalogam autores e obras segundo a mesma perspetiva. O primeiro reproduz
simplesmente a identidade do autor conforme o título da obra na primeira edição
(Philippi Montalto Lusitani Medicinae Doctoris Optica intra Philosophiae et
Medicinae aream [...], 1606) ; o segundo
identifica os autores de ascendência portuguesa, independentemente da presença
ou não do termo. O que não deixa de ser estranho é o facto de excluir, ou de
não incluir, Montalto na lista dos Lusitanos e, pormenor que ficou despercebido
de Maclean, de o incluir na lista dos quinze « corifeos Hebreos »
(« Hebraeorum coryphaei »), ao lado de
Moisés, Flávio Josefo e Leão Hebreu. Portanto, aqui fica a questão :
Felipe/Elijah Montalto, um autor mais religioso do que médico, ou o
inverso ?
Ele próprio parece ter escolhido
uma mudança na sua persona. Facto que já foi
assinalado, modifica o seu nome de autor entre a primeira e a segunda edição da
Optica[14]. Mas a sua obra impressa não deixa de tratar de medicina, Zacuto
sabe-o uma vez que faz algumas referencias específicas ao tratado de 1614. Esta
identificação judaica, corolária da exclusão do grupo dos Lusitanos, feita por
Zacuto com certeza teve alguma influencia no destino da obra de Montalto em
Portugal. Mas ainda não se pode dizer muito mais neste sentido, faltam ainda
estudos sobre uma receção que deve ser encarada com as duplas orientações da
ciência e da religião, do homem e a sua persona e
da obra. No entanto, um outro bibliografo de peso, von Haller, abre a entrada
Montalto com esses termos : « Philotheus Aelianus, ou melhor, rabino
Elias de Montalto » (« Philotheus Aelianus, aut melius Rabbi Elias
de Montalto[15] »). Portanto, a reputação do Português está bem assente desde
há um século e meio : ou Felipe ou Eliahu.
Lista das edições
Archipathologia e Lettre d’Espagne, 1614-1632
1 A-Lettre d’Espagne presentee a la Royne Regente. Par le sieur
Philotee Elian de Mont Alto, A Paris, Chez Jean
Brunet, ruë saint Jacques, à la Hotte. MDCXIIII, Avec Privilège du Roy, in-8º,
12 p. (= tradução da Epistola na Archipathologia ; apresenta algumas variantes menores)
B-Lettre d’Espagne, presentee a la Royne Regente. Par le sieur
Philotee Elian de Mont Alto Espagnol, A Paris, Chez
Pierre Chevalier [II ?[16]],
ruë S. Jacques, à l’image saint Pierre, pres les Mathurins, MDCXIV, Avec
permission, in-8º, 12 p.
2 A-Philothei Eliani Montalto Lusitani (...) Archipathologia. In qua
internarum capitis affectionum essentia, causae signa, praesagia, et curatio
accuratissima indagine edisseruntur,
Lutetiae : Apud Franciscum Jacquin, Sumptibus Caldorianae Societatis[17],
MDCXIIII, Avec Privilege du Roy, in-4°
B-Apud
Petrum Gueffier via D. Joannis Lateranensis, sub signo Aldus, MDCXIIII, in-4°,
(exemplar da Biblioteca da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, cota
: Res. XVII 215)
3 Tract[atus] accuratiss[imus] de morbis capitis, novis et
exquisitis remediorum generibus locupletatus..., S.
Gervasii : J. de La Pierre, 1628, in-4° (= reimpressão da Archipathologia)
4 Philothei Eliani Montalto Lusitani [...] Archipathologia. In qua
internarum capitis affecionum essentia, causae, signa, praesagia, & curatio
accuratissima indagine edisseruntur,
Parisiis : apud Samuelem Celerium, 1632 (exemplar na Biblioteca Real de
Bélgica, cota VB 4.568 A (RP)
[1] Ortografia de Miriam Bodian, Hebrews of the Portuguese Nation. Conversos
and Community in Early Modern Amsterdam,
Indianapolis : Indiana University Press, 1997. Outras formas :
Elijah, Elias. Em latim, veja-se mais adiante.
[2] « Montalto. A Jewish Physician at the Court of Marie de
Medicis and Louis XIII », Bulletin of the Institute of the History of
Medicine, 3 (1935), p. 148-157.
[3] Assinalada por Augusto d’Esaguy, ciente de que era preciso
reabilitar Montalto (“Commentaires à la vie et l’œuvre du Dr Elie Montalto”, Mélanges
d'histoire de la médecine hébraïque : études choisies de la Revue d'histoire de la médecine hébraïque (1948-1985), réunis par Gad Freudenthal et Samuel Kottek, Leiden : Brill, 2003, p. 230 ; artigo publicado em março
de 1953).
[4] Bibliotheca Lusitana, Lisboa :
Na officina de Ignacio Rodrigues, 1747, t. II, p. 75-76. Conhece as edições de
1614 e 1628.
[5] Universal Short-Title Catalogue nº 662769 <http://ustc.ac.uk/index.php/record/662769>
[6] Ver Augusto da Silva Carvalho, 1941, p. 348.
[7] O que explica a ausência de análise da obra da parte dos historiadores
portugueses que só conhecem a Optica
(exemplares : Faculdade de Medicina, Coimbra ; Biblioteca Municipal,
Porto ; Biblioteca Municipal, Évora).
[8] Albert Von Haller (Biblioteca Medicinae practicae, Bernae : E. Haller, 1777, t. II, p. 438) menciona duas
edições parisienses no ano 1614 : a Archipathologia e um De internis capitis affectibus.
Sabemos que este é o subtítulo da Archipathologia, palavra que pode ter deixado alguns perplexos (desaparece do
título na edição de 1628 ; lista nº 3). Deve tratar-se de uma dupla pela
separação das partes do título completo original.
[9] Idênticos reclamos e assinaturas de caderno, nome de autor et
título da obra.
[10] Ver imagem da página de rosto. O mesmo editor parisiano publicou em
1615 uma obra de Henry de Montagu, Les Figures de l’honneur, cuja página de rosto apresenta uma vinheta diferente. François
Gueffier, livreiro, é mais conhecido : em maio de 1594 passou contrato
para 9 anos com a comandaria de Saint-Jean-de-Latran para o aluguer de uma
livraria na mesma rua que Pierre (Philippe Renouard, Documents sur les
imprimeurs, libraires, Paris : Champion, 1901,
p. 117) ; editou os Essais de Michel de
Montaigne em 1611.
[11] O catálogo da livraria de Santa Cruz (Coimbra) menciona três vezes
o nome de Montalto, sob diversas formas : « Montalto (Philippus),
Montalto (Philotheus Elianus) » e « Elianus Montalto
(Philotheus) » (Index Generalis, t. I, p.
642 e t. II, p. 327 ; Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, MS
1825-1826). Mas não aparece nenhuma obra deste autor nos catálogos de títulos
(MS 1827-1829 = 7759 entradas).
[12] Hipótese avançada por Jean-Paul Pittion (Trinity College, Dublin, e
CESR, Tours), autor de um livro de referência recentemente publicado : Le
Livre à la Renaissance. Introduction à la bibliographie historique et
matérielle, Turnhout : Brepols, 2013).
[13] Ian Maclean, «‘Lusitani periti’:
Portuguese medical authors, national identity and bibliography in the late
Renaissance» (Learning
and the Market Place: Essays in the History of the Early Modern Book, Leiden : Brill, 2009, cap.
13), p. 394.
[14] Philothei Eliani Montalto Optica
(1613) : desaparece a identificação étnica e aparece o nome com conotação
judaica nesta reedição que precede de um ano a Archipathologia no contexto das relações editoriais com a sociedade Caldoriana de
Genebra.
[16] São dois : Pierre Chevalier I (1571 ?-16.. ; fl.
1597-1613), II (15..-1628).
[17] As impressões para a sociedade Caldoriana geralmente são feitas em
Genebra (Coloniae ou Aureliae Allobrogum ; Villa Sanvincentiana ;
Saint-Gervais = Coligny ? ; em Yverdon a partir de 1617) ;
outros lugares de edições humanistas : Paris (Calepini Dictionarium, 1607 ; Aristófanes, 1606) ; Lião (Plínio, 1606).
H.B.
quinta-feira, 11 de setembro de 2014
José Pinto de Azeredo: Estado da Arte
Realizar-se-á na Sexta-feira da próxima semana, dia 19 de Setembro, a próxima sessão do curso dedicado à história do pensamento médico português, actividade enquadrada no âmbito do projecto “O conceito de natureza na transição do século XVII ao XVIII”.
A sessão terá como tema José Pinto de Azeredo: Estado da Arte, com intervenções de Manuel Silvério Marques e de outros membros da equipa de investigação sobre a obra de Pinto de Azeredo.
A iniciativa terá lugar na sala 0. 07 do Edifício ID, piso 0, Avenida de Berna, nº 26.
A entrada é livre.
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