segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Próximo Acontecimento: Sessão do Seminário Permanente "O Conceito de Natureza no Pensamento Médico-Filosófico na Transição do Século XVII ao XVIII". 

No próximo dia 7 de Março, entre as 17.30 e as 19.30, na sala 0.07 do edifício ID, Av. de Berna, nº 26 (sala do lado direito no piso de entrada) Manuel Silvério Marques apresentará um trabalho, seguido de debate, cujo objecto será "O atomismo, a alucinação e a construção científica da realidade".

A entrada é livre e não é necessário inscrição.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Projecto sobre o Conceito de Natureza

Título:O conceito de natureza no pensamento médico-filosófico na transição do século XVII ao XVIII

Palavras-chave: natureza, ordem, organização, inteligibilidade, corpo, mecanismo

Sumário: Este projecto vem na continuidade do projecto “Filosofia, Medicina e Sociedade”, incidindo sobre um âmbito restrito. A base da equipa de investigação vem desse projecto, nomeadamente Adelino Cardoso, Guido Giglioni e Manuel Silvério Marques, Palmira Costa, Maria Luísa Ribeiro Ferreira, Paulo de Jesus e Bruno Barreiros, aos quais se acrescenta Anne-Lise Rey, com quem foi já iniciada a colaboração, no âmbito de uma das tarefas incluídas no projecto aqui apresentado. A equipa é reforçada nomeadamente por investigadores com bolsas de doutoramento e pós-doutoramento (Hervé Baudry, Raphaële Andrault, Francisco Silva, Alessandra Costa Pinto) e por investigadores exercitados no trato com a matéria em causa (Marta Mendonça) e na Itália (Nunzio Alloca).

Visa-se aprofundar a articulação entre filosofia e medicina a propósito de um conceito nuclear, que está no cerne da racionalidade moderna e cujo âmbito abarca por igual a ordem geral do cosmos e os diferentes planos fenoménicos. De facto, natureza significa ordem, regularidade, inteligibilidade.

O período escolhido é aquele que decorre entre a publicação do Tractatus de homine, de Descartes, em 1664 pelo médico e filósofo La Forge e a morte do mais influente professor de medicina da primeira metade do século XVIII, Hermann Boerhaave, em 1738. Trata-se de dois marcos, porquanto o Tratado cartesiano é emblemático do intento de aplicar o mecanicismo à abordagem anátomo-fisiológica do corpo humano e a morte de Boerhaave significa a passagem a um novo ciclo que, simplificando muito, podemos designar como medicina do iluminismo em que a representação mecanicista é integrada numa visão da natureza como sensibilidade e perfectividade.

A hipótese orientadora do trabalho é a de que, no decurso do período escolhido, há um contributo específico do pensamento médico-filosófico para a focagem da noção de natureza, da sua eficácia e da explicação dos seus fenómenos. Tal contributo decorre da especificidade do corpo humano vivo, que revela a insuficiência do modelo mecanicista. De facto, a medicina é um campo privilegiado em que se desenvolve o programa mecanicista, mas também onde este programa revela maiores dificuldades e suscita um debate mais intenso. Sob este aspecto, a obra emblemática da iatromecânica, De motu animalium (1680) de G. B. Borelli, é muito significativa: o intento de incluir a medicina no âmbito fisico-matemático, ao mesmo título que a astronomia (Op. cit., proemium) é acompanhado, aí, pela afirmação da causalidade da alma sobre o movimento corporal, afirmação que será acentuada por J. Bernoulli num anexo à segunda edição da obra.

A literatura médico-filosófica subsequente à publicação do Tratado cartesiano defronta-se com a temática da causalidade, uma vez que o mecanicismo tende a eliminar a espontaneidade e dinamismo da natureza. O confronto dá-se especialmente entre ocasionalistas como Cordemoy e Malebranche, por um lado, e naturalistas como F. Glisson e R. Cudworth, por outro. Os primeiros destituem a natureza de toda a potência e causalidade, ao passo que os segundos concebem a natureza como princípio imanente de acção.

A visão mecânica da natureza requer um novo olhar, que reconheça o lado activo e a dimensão estético-moral da natureza e do corpo humano. A obra de R. Boyle, nomeadamente De ipsa natura (1688), elaborada na perspectiva do “fisiólogo”, opera uma síntese coerente entre mecanismo e vitalidade da natureza.

A obra médica de Boerhaave é representativa da orientação predominante nas primeiras décadas do século XVIII no sentido de articular a explicação mecanicista com o legado vesaliano, que releva a dimensão estética da natureza, e mesmo com a tradição hipocrática, que confere à natureza o estatuto de princípio fundador da medicina. O assumir da história como parte integrante do saber médico é uma das inovações de Boerhaave e da medicina do seu tempo.

Ao nível da representação do corpo, a corrente fibrilista fornece uma imagem do corpo que abre uma brecha profunda no sistema humoralista e vai inspirar a fisiologia das Luzes, nomeadamente a de A. von Haller. A obra de Baglivi merece uma atenção especial por uma nova compreensão da vida enquanto equilíbrio de motus e sensus (BAGLIVI, Opera, 1714: 259), reconhecendo o primado da função e introduzindo a irritabilidade (irritatio) como propriedade intrínseca do corpo vivo.

No plano conceptual, a inovação mais relevante foi a introdução do neologismo “organismo” por Leibniz e Stahl na primeira década do século XVIII. A controvérsia entre ambos decorre em larga medida de uma diferente articulação entre organismo e mecanismo e a uma concepção diferente sobre a potência e causalidade da natureza.

No que respeita à medicina portuguesa deste período, em larga medida por estudar, colocam-se duas questões solidárias: qual a sua especificidade e em que medida acompanhou o movimento intelectual da medicina europeia ( nomeadamente em autores como Isac Cardoso, Curvo Semedo, Brás Luis de Abreu, Jacob de Castro Sarmento, Bernardo Pereira) sobre a natureza e suas propriedades.
No plano metodológico, procurar-se-á inscrever a literatura médica na dinâmica da ciência moderna, indagando a especificidade do pensamento médico; evidenciar-se-á a tensão/articulação entre o mecânico e o vital; prestar-se-á atenção às afinidades conceptuais (natureza, ordem, organização) e às polaridades que alimentam o discurso sobre a natureza: natureza / arte, natureza / sobrenatureza; ordem / anomalia.